INTELIGÊNCIA É O PIOR ATRIBUTO

É VERDADE QUE INTELIGÊNCIA É O PIOR ATRIBUTO? POR QUE?



Uma crítica comum ao design de D&D é que um dos atributos é sensivelmente pior do que os demais: Inteligência. Por que isso acontece?

Imagem clássica do Clã Malkaviano


Calma. Não perca a cabeça. Ainda. Primeiro vamos pensar no que são utilizados os atributos, de uma forma geral, em D&D:

Força: Ataque e dano (armas), salvaguarda, carga, capacidade de usar armaduras sem redução de movimentação, perícia e algumas manobras em combate (agarrar, empurrar).
Destreza: Ataque e dano (armas), salvaguarda, classe de armadura, iniciativa, perícias.
Constituição: Pontos de vida, salvaguarda, concentração.
Inteligência: Ataque mágico, salvaguarda e perícias.
Sabedoria: Ataque mágico, salvaguarda, percepção passiva e perícias.
Carisma: Ataque mágico, salvaguarda e perícias.

Sobre ataques (e danos), percebemos que todas os atributos podem ser uma habilidade chave para uma classe e acabam em "pé de igualdade" pois podem ser úteis para uma classe enquanto inúteis para outra neste ponto. Assim, inteligência pode ser útil para um mago e inútil para um guerreiro em termos de ataque, enquanto força funcionaria de forma oposta (sim, é possível fazer um guerreiro baseado em destreza ou ter uma subclasse onde inteligência é o foco, mas isso foi um exemplo). Então, nenhum atributo é PIOR do que o outro neste sentido (ainda que inteligência seja possivelmente o com menos classes que o utilize). Exceto constituição. Não há classes baseadas em constituição e isso é proposital.

Destreza é a base defensiva, além de determinar o bônus na rolagem de iniciativa. É possível fazer um personagem com boa classe de armadura (que é a dificuldade em ser acertado) com baixa destreza ao usar armaduras pesadas, mas ainda terá prejuízo na iniciativa e, em D&D, agir primeiro faz muita diferença. Além disso tem a questão da salvaguarda que será abordada a seguir.

Constituição define a quantidade de pontos de vida, uma das principais características do jogo, que somada a AC fazem com que o personagem seja mais ou menos resistente. Enquanto a AC representa a dificuldade de ser acertado, os pontos de vida determinam quantos acertos ele será capaz de resistir antes de cair. Pontos de vida são tão importantes que, para não transformar a Constituição num atributo ainda mais importante, nenhuma classe utiliza este atributo para atacar. Além disso, constituição ainda define a capacidade de concentração para manter uma magia, pois se um conjurador estiver se concentrando em uma magia e, por exemplo, sofrer dano, ele precisará ter sucesso em uma salvaguarda de constituição ou a magia deixará de funcionar. Aproveitando a deixa, entremos nas salvaguardas.

As salvaguardas, por design, foram separadas em dois tipos: as mais comuns, consideradas mais fortes, que são Destreza, Constituição e Sabedoria; e a incomuns, consideradas mais fracas, que são Força, Inteligência e Carisma. Por isso, todas as classes apresentadas no PHB concedem proficiência em uma salvaguarda "boa" e uma "ruim". É uma escolha de design que existam 3 salvaguardas "melhores" e 3 "piores".

E temos as perícias. As perícias são testes de atributos especiais que permitem que se some um bônus de proficiência se o personagem tem treinamento naquela área. Força possui uma perícia associada, Destreza possui três, Constituição não possui nenhuma (pelo mesmo motivo de não haver ataques baseados no atributo), Inteligência possui cinco (!), Sabedoria também possui 5 (!) e Carisma possui 4. Perícias são parte importante do jogo, mas em termos de combate, seu uso é mais limitado pois usar uma perícia, via de regra, gasta uma ação, e em geral nenhum jogador deseja gastar uma ação com uma rolagem de perícia no meio de um combate fora de situações muito específicas. Assim, o peso das perícias na importância dos atributos é um pouco menor.

Reptilianos por Sam Wood


Por fim, há ainda algumas habilidades ligadas a Força que são o uso de armaduras mais pesadas sem restrição de movimentação, a capacidade de carga e o uso (e resistência) de manobras de combate como agarrar ou empurrar. Se o uso das manobras parece interessante e acabam sendo importantes em vários jogos, as outras duas são constantemente ignoradas nas mesas. Muitos mestres se esquecem (inclusive intencionalmente) de cobrar a capacidade de carga, permitindo que os aventureiros carreguem seu precioso tesouro masmorra a fora e depois até a cidade sem dificuldades. Lembrar de descontar a movimentação no uso de armaduras pesadas sem a força necessária é outro esquecimento comum.

Após essa breve apresentação, é possível que você ainda não esteja convencido de que a Inteligência seja realmente pior do que qualquer outro atributo. Por que seria? 


EXPLICANDO



Primeiro a o peso de algumas coisas. 4 das 5 perícias envolvendo Inteligência são de conhecimentos. E conhecimento é algo constantemente deixado de lado nas aventuras, afinal, o Mestre possivelmente proverá o grupo do que eles precisam saber para completar sua missão, não? Eu responderia que isso é verdade em muitas mesas. Além disso, muitos jogadores leem até decorar o livro contendo os monstros, o que faz com que seus personagens não precisem saber o que a criatura faz ou quais suas defesas. Eles já sabem! Eles podem escolher usar fogo contra o troll ao se deparar com um simplesmente porque eles sabem que é uma boa tática, ainda que seus personagens nunca tenham visto um. É claro que em algumas mesas jogadores e mestres preferem ignorar o que eles conhecem fora do jogo e se ater ao que os personagens ali representados sabem, mas em outras isso é deixado de lado. Assim, o ladino não pensa duas vezes em usar seu frasco de fogo alquímico no troll, mesmo que seu personagem nunca tenha visto um. Isso acaba tornando 4 das 5 perícias facilmente relegadas a segundo plano pois os jogadores podem burlar sua ausência. 




Fraternidade da Ordem - Planescape
Ainda que a mesa não o faça, no entanto, não há a necessidade de todos terem sucesso em testes de inteligência para conhecer as fraquezas das criaturas se basta um personagem (ou dois) obterem sucesso e "gritarem" para o grupo. No exemplo citado, o mago poderia gritar 'USEM FOGO" e estarão todos livres das amarras que os prendiam diante de seu conhecimento fora do jogo não utilizável até ali... Curiosamente outras tantas perícias não sofrem do mesmo problema. Não importa se o jogador é um atleta profissional, seu personagem só conseguirá saltar o despenhadeiro se tiver uma boa rolagem no este de atletismo. Não importa o quão atento um jogador é, seu personagem só verá a armadilha escondida se tiver uma boa percepção passiva ou procurar de uma forma adequada e tiver sucesso no teste de percepção. Assim, a única perícia baseada em inteligência que não permite em termos de jogo seu uso "indireto" é Investigação, que é importante para o entendimento de armadilhas, por exemplo, pois não basta encontrá-las, é necessário entendê-las. Esse uso, inclusive, é esquecido em muitas mesas. 

Tudo bem, há um certo exagero meu. Arcanismo é usado para entender e desativar algumas armadilhas baseadas em magia. O mesmo pode ocorrer (com menor incidência) com Religião e Natureza. Mas aqui é importante entender o foco. Há que se lembrar, como já foi dito, que o uso dessas perícias gasta uma ação. Assim, ao avistar o troll, o mago ainda usaria sua ação para reconhecer e se lembrar das características do troll antes de poder gritar para o grupo para focar no uso de fogo...

Comecei pelas perícias porque elas são dadas como "menos importantes". E ainda nelas há diversas considerações para tornar as ligadas a Inteligência mais usuais e melhores mesmo. Mas "o bicho pega" quando analisamos as Salvaguardas...


Salvaguardas!

Já foi dito que há 3 salvaguardas boas e 3 ruins. Entre essas 3 ruins, há alguma diferença? Há! MUITA!

No Player's Handbook, há um total de 14 magias que exigem Salvaguarda de Carisma, 8 exigem Salvaguarda de Força e apenas 4 (!) exigem Salvaguarda de Inteligência. Uma delas é lançada pelo próprio conjurador que, ao contactar a mente de um ser extraplanar em busca de conhecimento, precisa fazer uma Salvaguarda de Inteligência para evitar tomar dano... Ou seja, apenas 3 magias exigirão de um alvo uma Salvaguarda de Inteligência. Então, ser proficiente em Salvaguarda de Inteligência é bem ruim, não? É pior...

Não contamos aqui as habilidades de monstros: 6 monstros do Monster Manual possuem alguma habilidade que exige Salvaguarda de Carisma, 53 possuem alguma habilidade que exige Salvaguarda de Força e apenas 3 (!) exigem Salvaguarda de Inteligência. Isso mostra que Força é a 4ª Salvaguarda mais importante, e que Inteligência sofre uma surra de 20 a 7 para Carisma na luta contra a lanterna das Salvaguardas. Se pesarmos a importância social dos dois atributos (Carisma e Inteligência), haverá discussão sobre qual o pior, pois se colocará as perícias de convencimento e interação social contra as de conhecimento. Talvez seja uma luta justa. Até com certa vantagem para Inteligência tendo em visto os usos de Investigação em combate para desacreditar algumas ilusões. Mas quando se analisa as Salvaguardas, o Carisma se mostra muito mais importante...

Assim, chega-se a conclusão de que Inteligência é, certamente, o atributo a ser colocado em último lugar nas prioridades de montagem do personagem em termos de jogo. Afinal, é óbvio que você pode imaginar seu personagem como alguém inteligente e desejar jogar com ele. Aqui a discussão é no design das regras. Há alguma coisa que pode ser feita?


SOLUÇÕES (?)


Tony DiTerlizzi - 1996
Algumas das "soluções" já foram apresentadas. Não se esquecer de pedir as rolagens de investigação para entender armadilhas, coibir um pouco do uso de metajogo no conhecimentos dos monstros e usar as informações conhecidas pelo personagem para "facilitar" a aventura são algumas das "soluções". Sem elas, a diferença entre Carisma e Inteligência se torna ainda maior. Outra coisa que pode ajudar a tornar as perícias de conhecimento mais úteis é modificar levemente as criaturas em sua parte estética. Talvez uma criatura comum do gelo possa receber o conhecido "reskin" (que é modificar o "visual" de algo sem modificar de fato as características de jogo) e ser usada no deserto, talvez com uma resistência alterada ou um tipo de ataque com dano sendo modificado. Ao ver um Yeti do Deserto, com pelos cor de areia, e imunidade a fogo ou ácido e um olhar que cause dano psíquico ao invés de gelo (e quem sabe tenha medo de outra coisa, como eletricidade...), o grupo de jogadores experientes pode não conseguir adivinhar do que se trata até que gaste ações para descobrir quem é seu inimigo ou que busque informações após o combate, diante do cadáver ou após ter fugido desesperadamente...

Outras soluções com pequenas alterações de regras seguem abaixo, retiradas de fóruns e de grupos de RPG:


  • Idiomas Extras 


Uma possibilidade é permitir ao personagem comprar novos idiomas na criação do personagem, sendo um por cada ponto de bônus de inteligência. Assim, um personagem com Inteligência 14 conheceria duas línguas extras na montagem do personagem. Isso é especialmente interessante se na mesa há um limite para o uso dos idiomas genéricos (Comum e Subcomum). Nas minhas mesas, por exemplo, eu uso os dois idiomas como para fins comerciais, sendo mais usados em anotações ou compra e venda, mas não em conversas ou em livros. Assim, o conhecimento das línguas da região, bem como das línguas raciais, acaba sendo de grande utilidade.


  • Proficiência em Ferramentas


Outra possibilidade é permitir ao personagem ser proficiente em um número de ferramentas de artesanato e criação (ou seja, exceto ferramentas de ladrão) igual ao bônus de inteligência. Essas ferramentas costumam ter uso bastante restrito em aventuras, não sendo usadas com frequência, o que faz com que essa habilidade não gere grande peso no jogo. 


  • Profissões e Conhecimentos Menores


Uma variação da ideia anterior é a de permitir "profissões", que seriam habilidades básicas, que não chegam a ser Perícias, mas que podem conceder o bônus de proficiência em algumas situações. Profissões podem ser de agricultor, cozinheiro, lenhador... Como se vê, elas são muito ligadas a anterior e em normalmente podem ser substituídas pelo uso de ferramentas, como de cozinha, de fazenda ou de cortar lenha. 

Já os conhecimentos menores podem ser de astronomia, matemática, engenharia, táticas de guerra... Em alguns casos eles podem substituir rolagens de outras perícias, mas apenas em casos específicos, como permitir que matemática possa substituir investigação ao analisar os livros contábeis do senescal em busca de algum indício de fraude, ou de astronomia ao invés de sobrevivência para saber a direção do Norte numa noite de céu aberto.


  • Profissões, Ferramentas e Idiomas


Nesta variação o jogador pode escolher gastar "cada ponto" concedido pelos bônus de Inteligência entre as opções anteriores: Idiomas, Ferramentas, Profissões e Conhecimentos Menores. Assim, um personagem de Inteligência 16 poderia ser um astrônomo, proficiente em ferramentas de alquimia e conhecedor da língua dos dragões.




  • Pontos de Iluminação


Tony DiTerlizzi - 1996

Esta habilidade funciona de forma semelhante a Pontos de Inspiração. Quando o jogador tiver uma grande ideia, possibilitando vantagens para solucionar um problema ou encontro, o Mestre pode conceder um Ponto de Iluminação. Os Pontos de Iluminação devem ser usados até o começo do próximo descanso curto ou longo, ou guardados. Um personagem pode guardar um total de Pontos de Iluminação igual ao bônus de Inteligência. Assim, personagens com Inteligência 11 ou menos não conseguem guardar esses pontos para uso posterior.


Os Pontos de Iluminação têm os seguintes usos:



- Permite ao personagem lembrar de alguma informação da aventura, seja de uma conversa que aconteceu faz tempo, seja de algo que o personagem leu, seja de algo que talvez tenha passado desapercebido no momento mas que naquele momento é importante, como o fato dele ter encontrado um molho de chaves com um goblin e o grupo estar diante de uma porta trancada. O jogador deve informar o uso do Ponto e dizer que ele está tentando se lembrar de alguma coisa que possa ajudar. Caso haja algo a ser lembrado, o Mestre lembra o personagem. Caso contrário, o ponto não é gasto.

- Permite ao jogador ter vantagem em um teste de Inteligência, Sabedoria ou Carisma (incluindo perícias). O jogador anuncia o gasto do ponto e faz o teste com vantagem.


Há também dois possíveis usos mais poderosos de Pontos de Iluminação, que podem ou não ser adequados a sua mesa:

- Permite ao jogador mudar uma magia preparada ao se concentrar durante um descanso curto. O jogador anuncia o gasto do ponto de iluminação e a magia que sairá de sua lista de magias preparadas, bem como a nova que entrará na lista. Se o descanso curto for realizado com sucesso, a magia é trocada e o ponto é gasto. Se o descanso curto for interrompido, as magias não são trocadas e o personagem continua com seu ponto de iluminação. O personagem precisa ainda ter seu ponto de iluminação ao final do descanso para realizar essa ação, ou seja, apenas personagens com Inteligência 12 ou mais conseguirão utilizar essa opção.

Jeaf Easley
- Permite ao jogador somar seu bônus de inteligência em uma rolagem de iniciativa mediante ao gasto de um ponto de iluminação. O jogador pode anunciar o gasto do ponto antes ou imediatamente após a rolagem (mas antes que a ordem de iniciativas seja conhecida), somando assim seu bônus de inteligência na iniciativa.




Espero que essas ideias ajudem a balancear um pouco mais os atributos. E você? Também acha que Inteligência é o pior atributo ou discorda completamente desta análise? Deixe nos comentários!



Bons jogos!



Edit: o criador da ideia de pontos de iluminação, que chamou de epifania, apesar da mecânica bastante diferente, solicitou que mudássemos o nome do ponto, para não coincidir com o seu, que sairá em breve num artigo.

Não só alteramos como daremos visibilidade a sua mecânica em nossa página do Facebook assim que sair, com o maior prazer.