Entre 2002 e 2005, Jason Nelson,
um famoso game designer que trabalhou com a Wizards
of the Coast e com a Paizo em
jogos como D&D e Pathfinder, escreveu uma coluna chamada Behind the Screen, publicada
gratuitamente na página da empresa, que traduzimos como Atrás da Divisória do Mestre e trazemos aqui nos Meus Pergaminhos para vocês. Esperamos
que gostem!
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Divisória do Mestre - Redbox |
ATRÁS DA DIVISÓRIA DO MESTRE – OS VENTOS DA MUDANÇA
Texto original de Jason Nelson
publicado no site da Wizards of the Coast em 31/05/2002.
Na última coluna, examinamos
alguns dos perigos inerentes à maneira como a mudança e a variedade são
estruturadas na campanha pelo Mestre, incluindo a importância de estabelecer
uma base (e o que constitui uma diferença ou afastamento dela), decidindo o que
os jogadores (e seus personagens) sabem ou terão a chance de descobrir e como
enriquecer sua campanha com o uso seletivo de descrições e informações básicas.
A coluna que você está lendo agora leva a ideia a um passo adiante e assume que
você decidiu fazer algumas alterações ou apresentar algumas surpresas em sua
campanha e analisa algumas ideias de como e quando implementar esses tipos de
ideias.
Um dos arrependimentos frequentes
dos jogadores de longa data é que eles já viram e fizeram tudo em termos de
jogo. Eles podem sentir que não têm mais mundos para conquistar ou talvez
pensem que todos os mundos são parecidos. Esses sentimentos são, de certa
forma, uma característica inerente a se ter experiência no jogo. Se você já viu
e fez muita coisa, esperar que seu centésimo encontro com um dragão antigo seja
tão emocionante quanto foi com o primeiro não é uma expectativa lá muito realista.
Parte da culpa também recai sobre os aspectos básicos do jogo e, como Mestre,
você é responsável por promover sua campanha trazendo o incomum. A última
coluna alertou para não ir muito longe nessa direção, pois há valor nas coisas
"antigas e confiáveis" como pontos de segurança da experiência de jogar
D&D, e esses pontos de segurança formam uma base necessária para a operalização da sua campanha. Com isso
dito, você também não deve se apegar a sua rotina habitual - não importa o quão
bem descrita e contextualizada - e simplesmente dar aos jogadores o que eles esperam.
Você pode mandar muitos tipos de “bolas
curvas” para os jogadores, e essa área é uma das várias em que o design modular
do D&D realmente brilha. Você pode fazer
pequenas alterações (como dar habilidades diferentes de criaturas ou de
classes, conforme pode ser visto AQUI) em uma criatura típica e criar assim uma
variedade desconcertante de aliados ou inimigos para o grupo. Essas habilidades
aumentam as possibilidades e poderes da criatura, criando algo muito diferente
(e geralmente muito mais perigoso). Algumas combinações são óbvias, como um
punhado de furiosos (berserkers) no covil dos orcs nas minas abandonadas. Outros
são mais elaborados, como o orc conjurador com magias de ilusão que atrai o
grupo para uma emboscada de orcs batedores, guerreiros tribais, bandidos,
assassinos, veteranos, rufiões e gladiadores que caçam humanos (ou seja, usando
as fichas de PdMs no final do Monster Manual
com os ajustes apresentados na tabela do Dungeon
Master Guide na página 282). Talvez o líder da tribo seja um fantasma com
habilidades de conjuração de um druida que ainda possui um grupo de víboras
mortais que continuaram o seguindo após a morte. As possibilidades são
infinitas e, devido à maneira como o sistema está configurado, você não
encontrará dificuldades para criar uma variedade de desafios que não são
imediatamente óbvios para os jogadores ou seus personagens antes de
surpreender. Você pode criar oportunidades de pesquisa para que o grupo possa
imaginar as surpresas que estão à frente, o que lhes incentiva a dedicar
recursos na investigação do mundo em um contexto em que eles recebem uma
recompensa realista: eles não estão apenas em busca de um pouco de informação
para colorir o cenário, mas sim estudando um futuro inimigo (ou aliado) para estarem
a um passo à frente quando se encontrarem.
Além de alterar as criaturas da
campanha, você pode alterar as escolhas
que as criaturas fazem, as ferramentas que usam e o que fazem com suas
habilidades normais ou naturais. Nem todo orc precisa usar um machado e uma
azagaia. Utilize um grupo misto com armas de alcance e arqueiros, fazendo com
que eles fiquem encurralados entre os lanceiros, os combatentes corpo a corpo e
a artilharia. Experimente diferentes combinações de armas e táticas. Introduza
aliados incomuns ou inesperados. Em vez dos habituais ogros, lobos ou lagartos
gigantes, talvez a sua tribo orc tenha se tornado amiga de um otyugh ou tenha um grupo de hipogrifos treinados ou tenha cockatrices na sala do tesouro. Talvez
eles até tenham um pacto com algum ínfero. Na mesma linha, você pode alterar os ambientes onde os eventos
ocorrem: tire os orcs das minas e dê a eles uma casa no topo de uma falésia
em uma chapada no ermo em um dia sufocante de verão, ou coloque-os em um vale
nevado nas montanhas que são cortadas por um rio gelado coberto de pedras
(talvez esteja congelado o suficiente para atravessar ou talvez não esteja) ou
cercá-los de neblina em uma floresta noturna. Tire proveito de diferentes
ambientes, em termos de terreno e clima, e crie oportunidades para os
personagens usarem toda a gama de habilidades disponíveis, incluindo perícias,
habilidades com ferramentas e veículos. Ter que descobrir como ajustar o modus
operandi normal em algo que não seja corredores planos e nivelados no solo ou
nas masmorras padrões ajuda os jogadores a encarar a situação (combate ou não)
de diferentes maneiras e ajuda a quebrar a mesmice que poderia fazer com que
esses eventos ocorressem. O princípio aqui é analisar não apenas o que você tem
em sua campanha, mas também como está sendo usado.
Outra ferramenta valiosa para
ampliar seus horizontes como mestre é olhar além do que você encontra no
conjunto de regras básicas. O lugar mais óbvio para procurar novas ideias é em
outros produtos "oficiais" projetados especificamente para D&D ou
compatíveis, sejam aventuras, suplementos ou mesmo em algum Unearthed Arcana. Você pode emprestar tirar
alguma habilidade do Guildmasters' Guide
to Ravnica e trazer para sua campanha ou pegar algo do Sword Coast Adventurer's Guide mesmo não mestrando em Forgotten
Realms ou um item mágico ou criatura de um módulo de aventura. Dada a
proliferação de materiais compatíveis sendo produzidos por outras empresas e
criadores de conteúdo como na DMGuild
(ou aqui no Meus
Pergaminhos!), você pode encontrar uma grande variedade de materiais.
Uma simples pesquisa na Internet pode sugerir muitos sites, fóruns, canais de
youtube e grupos no Facebook relacionados à atual edição de D&D, que podem
fornecer uma grande quantidade de informações e ideias para você e sua campanha.
Alguns desses locais e produtos dedicam-se a um cenário ou gênero específico
(incluindo cenários descontinuados de D&D, como Birthright e Al-Qadim – há um
suplemento na DMGuild excelente sobre Maztica que já pensamos em traduzir ao
menos em parte aqui na Meus Pergaminhos), muitos oferecem análises de novos
produtos publicados e alguns são gerenciados por pessoas que gostam de criar conteúdo
que desejam compartilhar com a comunidade de RPG. Além das ideias contidas
nestes conteúdos, você pode também ler ou assistir as campanhas de outras
pessoas: essas histórias podem ser divertidas ou, no mínimo, podem desencadear
uma ideia sobre algo para experimentar em seu próprio jogo.
Além das publicações da própria Wizards e de fóruns de D&D, você
pode encontrar muita coisa interessante em produtos criados para outros
sistemas (incluindo edições anteriores de D&D que são uma verdadeira mina
de ouro!) e que podem ser adaptados à sua campanha. Na maioria das vezes, o
cenário, o estilo e a apresentação de tais ideias é que são realmente
importantes: talvez você não precise de estatísticas de jogos para utilizá-las.
Você também pode usar essas ideias para adicionar um colorido especial a uma
parte específica do seu mundo. Talvez o vasto deserto de Anauroch em Faerûn se
assemelhe ao cenário da campanha de Dark Sun, ou talvez os bruxos de uma
determinada terra usem feitiços e criem itens mágicos adaptados do Warhammer Fantasy Roleplay, ou os elfos
usem feitiços e itens do RPG da Terra Média. A adaptação de ideias de outro
sistema de jogo obviamente envolve um pouco de trabalho para você, como mestre,
mas a recompensa pode valer a pena em termos de senso de atmosfera e para sair
um pouco da rotina.
Finalmente, você mesmo pode
simplesmente inventar um monte de coisas. Todo mestre tem ideias sobre como poderiam
ter feito isso ou aquilo de maneira diferente. Na sua campanha, você pode fazer de maneira diferente. Acima e
além de simplesmente decidir quais regras "oficiais" estarão ou não vigentes
na mesa de vocês, você pode inventar
classes totalmente novas, mudar as raças existentes, reorganizar listas de
feitiços, mudar a maneira como certas criaturas (ou talvez um subgrupo
específico dessas criaturas) se encaixam no mundo do jogo ou em sua natureza e
poderes básicos, e assim por diante (Nota do Tradutor:
apenas tenha cautela e estude como funcionam as engrenagens do jogo antes de modifica-lo
simplesmente “porque sim”). Você pode achar esse caminho muito
gratificante, pois permite flexionar seus músculos criativos, e muitos mestres
e jogadores que se tornaram adeptos de mundos de campanha caseiros ou jogos de
D&D fortemente baseados em "regras da casa" adoram isso e acham
que esta é a maneira mais gratificante de realmente representar o elemento de
fantasia em um jogo de RPG.
Todas as alternativas acima são
alternativas válidas e úteis para usar ou mesmo alterar as regras básicas
definidas para melhorar o nível de satisfação da campanha, mas você deve
abordar o caminho desta mudança com cautela. Mudar as coisas pode ser um
assunto delicado para alguns jogadores, que podem se sentir frustrados se você
mudar as coisas de forma a invalidar grande parte das coisas nos livros de
regras em que eles (e você) gastaram dinheiro adquirindo e também gastaram tempo
e esforço lendo e aprendendo. Para muitos, se não for exatamente como o livro,
você não está jogando o D&D "de verdade". Isso pode parecer uma
simplificação tola demais, mas se um de seus jogadores defende essa visão, você
deve respeitá-la e lidar com ela. Você deve ter uma lógica clara para suas
mudanças, mesmo que isso se refira à estética, e deve ter cuidado com o
"efeito dominó" potencial de alterar elementos do jogo, pois uma pequena
mudança altera um equilíbrio aqui ou está tem consequências por estar
relacionada a oura coisa ali. A menos que você faça uma reformulação radical de
tudo (Nota do Tradutor: O que é muito trabalho e talvez
valesse mais a pena simplesmente jogar outra coisa), você deve prestar
muita atenção em como suas alterações ou acréscimos se equilibram com o que já
existe. Pensando bem, você pode achar que sua solução de mudança realmente não
melhora as coisas tanto quanto você esperava. Mesmo que o que você esteja
adicionando seja "oficial" e teoricamente equilibrado (como tantas
opções alternativas presentes no Dungeon
Master Guide), considere oferecer aos jogadores a chance de ajustar seus personagens
quando introduzir novas oportunidades ou ideias. Caso contrário, essas novas
opções podem estar fora do alcance da maioria dos personagens, fazendo com que
essas suas "novas opções" se tornem na verdade nenhuma opção. E para um
jogador isso não é divertido.
Deixando de lado os problemas de
design, ao usar a campanha com as alterações que você instituiu, lembre-se de
que as alterações não devem ser por puro capricho. Não use variedade para
prender os jogadores: se eles encontraram mil orcs e todos foram escória
maligna, é razoável e justificável que eles ataquem o milésimo primeiro orc à
vista, mesmo se você optar por torná-lo um orc paladino honrado e justo (que
por acaso se parece exatamente com qualquer outro guerreiro orc que eles já
conheceram). Você não deve esperar que os jogadores se ajustem às mudanças que
eles não poderiam realisticamente saber. Pode ser igualmente frustrante para os
jogadores se a mudança ocorrer repentinamente de uma maneira que cause impacto
em seus personagens. Mudanças podem minar conceito do personagem que que eles
criaram, isto é, se eles soubessem de uma mudança de regra ou cenário
anteriormente, eles poderiam ter projetado seu personagem de uma maneira
diferente ou perseguido objetivos diferentes em sua carreira de aventureiro.
Qualquer mudança e seus efeitos
posteriores são difíceis de medir. Portanto, cabe ao grupo (ou pelo menos o
Mestre) manter algum registro do que foi
feito, para qual caminho foram e o que aprenderam, especialmente quando
mudanças de regra ou cenário de campanha foram feitos. Isso ajuda a garantir
que as alterações funcionem sempre da mesma maneira e que a nova base (já
modificada) permaneça relativamente estável. Os registros podem ajudar o Mestre
e os jogadores a se lembrarem do que aconteceu antes, e os registros podem garantir
que ambos os lados deem o devido crédito pelas experiências no jogo. Mesmo se
você jogar toda semana, você pode se esquecer de algo que aconteceu apenas
alguns minutos ou horas atrás com o seu personagem. Lembre-se de que os
jogadores têm vidas reais e não devem se deve considerar que possuam uma
capacidade de memorização perfeita pelos Mestres. O mesmo vale para os mestres!
Para resumir, aqui está uma boa regra geral ao pensar em fazer alterações: não abocanhe
mais do que você pode mastigar. A mudança pode ser uma ferramenta maravilhosa,
mas, se exagerada, é um dos caminhos mais fáceis para arruinar toda campanha.
PALAVRAS DE SABEDORIA
1. Estabeleça uma base, mas não dê
aos jogadores sempre o que eles estão esperando.
2. Faça experiências dentro das
regras padrões contidas nos próprios livros (como terrenos, climas, iluminação,
armas e modificação nas fichas das criaturas).
3. Busque ideias em outros materiais:
suplementos, aventuras, outros sistemas, materiais da DMGuild, sites e fóruns de
discussão.
4. Decida o que você vai alterar
nas regras básicas, mas seja cuidadoso ao fazer tais mudanças.
5. Mantenha registro dessas
mudanças para facilitar o uso de todos e manter a consistência de como as
coisas funcionam em termos de regras ou ambientação.
DICAS ESPECIAIS: SEJA CUIDADOSO
1. Faça com que todos (incluindo
VOCÊ) entendam essas mudanças feitas. Esclareça qualquer ponto o quanto antes quando
sentir que qualquer um esteja se
sentindo um pouco confuso quanto a essas mudanças.
2. Dê atenção especial a como essas
mudanças interagem com as regras e a qualquer efeito dominó.
3. Seja consistente ao aplicar
essas mudanças.
4. Dê aos jogadores o devido
crédito. Permita que eles usem o conhecimento adquirido em jogo.
5. Quando mudar algo, saiba o
porquê. Não o faça por capricho pessoal e não use essas mudanças apenas para
criar armadilhas para os jogadores ou seus personagens.
FINALIZANDO
A TRADUÇÃO
Saber quando mudar uma regra ou algo na ambientação padrão é muito bom pro jogo e fazer isso com consistência é essencial, por isso gostamos demais de ter trazido esse texto para o português.
FINALIZANDO O TEXTO
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