Entre 2002 e 2005, Jason Nelson,
um famoso game designer que trabalhou com a Wizards
of the Coast e com a Paizo em
jogos como D&D e Pathfinder, escreveu uma coluna chamada Behind the Screen, publicada
gratuitamente na página da empresa, que traduzimos como Atrás da Divisória do Mestre e trazemos aqui nos Meus Pergaminhos para vocês. Esperamos
que gostem!
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Divisória do Mestre - Redbox |
ATRÁS DA DIVISÓRIA DO MESTRE – ALÉM
DO QUE OS OLHOS VEEM
Texto original de Jason Nelson
publicado no site da Wizards of the Coast em 30/06/2002.
No último artigo, examinamos as
implicações da mudança no design e gerenciamento de um jogo de D&D,
incluindo armadilhas a serem evitadas e estratégias a serem tentadas ao
implementar as mudanças em sua campanha. A ideia de alterar regras,
configurações da campanha ou qualquer elemento da sua campanha e do jogo que
você joga pressupõe que você sabe o que está mudando. Por esse motivo, esta
coluna abordará talvez o fundamento mais óbvio da execução do jogo - conheça as regras! Isso pode parecer um
ponto absurdamente simples no qual basear uma coluna. Não discuto que o ponto
deve ser facilmente aparente para todos, mas nesta coluna explicarei como o
conhecimento de um mestre das regras (ou a falta delas) afeta um jogo e como um
mestre que se esforça para dominar as regras pode melhorar a qualidade do jogo
dele ou dela.
Se você está jogando como mestre,
deve possuir familiaridade com as regras que pretende usar na campanha,
incluindo onde encontrar o que não consegue se lembrar imediatamente. O uso de ferramentas como uma divisória
do mestre, referências feitas por ele mesmo (copiar ou compilar tabelas
importantes ou marcar páginas em livros de regras) ou aplicativos e sites que
auxiliem seu trabalho como DM também pode facilitar muito a sua tarefa.
Essencialmente, se você não consegue se lembrar, coloque as informações
necessárias na ponta dos dedos. O objetivo final que você deseja alcançar é
evitar interromper o fluxo do jogo para procurar referências e minimizar o
tempo e o esforço de encontrar as coisas quando você precisa parar e olhar. É
importante obter a decisão correta, mas também é importante minimizar as
interrupções no fluxo do jogo. Se você dominou as regras, as interrupções se
tornam mínimas e permitem que o jogo corra mais suavemente, o que, por sua vez,
mantém melhor o humor, o tom e a imersão no mundo de fantasia para os jogadores
e para você.
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Fred Fields |
O termo "advogado de
regras" é abordado, principalmente de maneira depreciativa, para descrever
jogadores que dobram, distorcem e alteram as regras para maximizar vantagens e
minimizar deficiências (também conhecido como "mini-maximizando"). Em
uma sala de audiências, no entanto, os advogados podem se safar usando apenas
das táticas permitidas pelo juiz, e você, como Mestre, deve assumir o papel de
juiz em seu jogo. Para ser um juiz eficaz e credível, no entanto, você deve
primeiro demonstrar que é um mestre competente no conhecimento da lei - nesse
caso, as regras do jogo. Isso não significa que você deve ter todos os detalhes
e minúcias de regras na ponta da língua a qualquer momento, mas é necessária
mais do que uma familiaridade passageira. Um Mestre que frequentemente
interrompe o jogo para checar referências ou que não entende as regras pode
perder a confiança dos jogadores e é muito mais provável que gaste algum tempo
em discussões sobre interpretações de regras.
De acordo com a imortal
"Regra 0" ou “Regra de Ouro”, você, o Mestre, sempre tem a palavra
final nos argumentos sobre o jogo ou as regras, mas o uso deste “poder” do
Mestre no lugar de argumentos fundamentados e informados é arbitrário e pode
parecer caprichoso se invocado com muita frequência. Além disso, pode frustrar
e até alienar os jogadores, que por sua vez têm a última palavra sobre se
desejam continuar jogando em sua campanha. Você pode evitar muita frustração
simplesmente compreendendo bem as regras. Conhecer bem as regras pode aumentar
sua confiança na execução do jogo, pois você deve saber como lidar com
praticamente qualquer situação com competência. Em caso de desacordo, um Mestre
que conhece as regras pode tomar decisões e interpretações embasadas e
(igualmente importante) pode apresentar
a justificativa para as decisões tomadas. Mesmo que um jogador não concorde
com a sua decisão, pelo menos ele pode ver a cadeia lógica que fez com que ela
fosse tomada se você puder expressar sua lógica. Conhecer bem as regras também
o coloca em uma posição muito melhor para repelir as tentativas de jogadores
mais experientes que gostam de torcer as regras a seu favor.
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Jeff Easley |
Além de ajudá-lo a se tornar o
gerente do seu jogo, um conhecimento profundo das regras é um grande trunfo
para você como arquiteto. Ao projetar aventuras (caseiras ou adaptadas de
fontes publicadas), conhecer bem as regras permite criar desafios e recompensas
apropriados para o tipo de jogo que você está executando. Se você não for
cuidadoso, poderá criar encontros que sejam uma armadilha mortal ou um passeio
no parque, com recompensas que variam de restos no chão de uma fábrica de
amendoim ao prêmio máximo de Quem Quer
Ser Um Milionário?. A edição mais recente de D&D fez um esforço muito
mais explícito do que as edições anteriores na definição de desafios e
recompensas apropriados (especialmente no Dungeon Master's Guide, páginas 38, 81-85,
133-232) (NOTA
DO TRADUTOR: e nós recomendamos que você leia sobre montagem de encontros,
de NPCs e de tesouros AQUI, AQUI e AQUI!) , que não apenas fornece guias para
criação de encontros, tabelas para tesouros individuais, e uma tabela de
equipamento para personagens acima do nível 1 para ver se a sua campanha está
de acordo com o estágio do jogo onde
o grupo se encontra. Se o seu grupo se encaixa nesse padrão (de encontros e
tesouros) não é importante por si só, mas é importante que você julgue em que
direção ele se desvia se for diferente, porque o jogo faz certas suposições na
maneira como atribui o nível de desafio de criaturas, armadilhas e assim por
diante.
Como exemplo, o design do jogo
pressupõe que os personagens de nível 5 a 10 tenham recursos entre 500 e 750
peças de ouro cada, além de seu equipamento inicial. Assim, lembrando que itens
mágicos comuns custariam algo entre 50 e 100 peças de ouro e os incomuns algo
entre 100 e 500 peças de ouro, é aceitável imaginar que eles possuam um ou
outro item comum e incomum, mas não um raro que custaria acima de 500 peças de
ouro. Portanto, criaturas classificadas como um nível de desafio apropriado
para este grupo podem ter habilidades como resistências e afins que consideram
o poder do grupo. (NOTA
DO TRADUTOR: Por outro lado, o DMG e o Xanathar’s deixam claro que, sem que
seu grupo não possua nenhum conjurador, nenhum item mágico é necessário para
que os personagens derrotem as criaturas e vençam os encontros).
Obviamente, se em sua campanha o grupo estiver nesse nível e não possuir armas
mágicas, alguns encontros serão muito mais difíceis e podem significar um aumento
do ND ou um aumento até de recompensas (XP e tesouro) proporcional ao aumento
desafio. O fato de os parâmetros serem claros facilita muito o julgamento do
grau e da direção do desvio dessa norma em sua campanha. Conhecer essas regras
e entender como elas funcionam juntas permite compensar circunstâncias
especiais ou diferenças mais gerais na maneira como você estrutura desafios e
recompensas em sua campanha.
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Tony DiTerlizzi |
Para estender um pouco mais esse
ponto, conhecer bem as regras permite entender não apenas a estrutura do
sistema de desafio / recompensa e como comparar e combinar NDs e montar
encontros, mas também entender as nuances das habilidades específicas que o
grupo e seus inimigos possuem em qualquer confronto. Esse ponto também se
aplica a encontros que não são de combate, mas um conhecimento profundo das
regras é mais vital em situações de combate, pois elas geralmente são muito
mais entrelaçadas ao sistema. Você não precisa contar todos os segredos e
explicar a mecânica de todas as criaturas que eles enfrentam. Afinal, grande
parte da emoção de jogar é o desafio de descobrir como superar uma adversidade quando
você não sabe o que esperar ou quando não tem informações completas sobre a
situação. Eles podem não saber por que um ataque não funciona contra seu
inimigo ou como ele combateu uma de suas próprias habilidades, e assim por
diante, mas você deve saber como as capacidades de ataque ou defesa ou
movimento de uma criatura funcionam e como aplicá-las no jogo. Criaturas com
características de tática de grupo, visão diabólica ou forma incorpórea lutarão
de maneiras que maximizem suas vantagens, e assim será com as habilidades de
qualquer criatura.
Esse conceito se aplica não
apenas aos desafios que o grupo enfrentará, mas também ao próprio grupo.
Afinal, como você pode preparar desafios adequados
se não entender completamente o que os personagens podem fazer? Você não
precisa ser especialista em todos os personagens (esse é o trabalho do
jogador!), mas deve ter uma boa noção do que o personagem é capaz de fazer.
Você não deve abusar deste conhecimento, sempre negando as vantagens dos
jogadores, mas não deve ser pego de surpresa (ou não com frequência, pelo
menos) pelo que um personagem pode fazer. Você deve levar em consideração os
recursos táticos gerais do grupo ao projetar desafios para eles, para ter
certeza de que os encontros não estão fora dos recursos do grupo ou que sejam
tão fáceis que sejam sem sentido (a menos que haja algum motivo baseado na
história para um encontro neste extremo, seja do fácil ou do difícil).
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Jeff Easley |
O Xanathar’s fornece exemplos e diagramas úteis (como das
áreas de efeito das magias) que podem esclarecer como as coisas funcionam, e
alguns dos livros básicos também trazem informações sobre como tudo funciona. O
D&D também traz abordagem de regras em uma ampla variedade de formas como a
coluna Sage Advice (Conselhos do Sábio), na revista Dragon Magazine ou em vários
sites (como este!). Embora o jogo não seja apenas um exercício de processamento
de números, é inegável que a matemática faz parte do jogo e, ao tornar
explícitas as maneiras pelas quais as regras podem ser usadas (especialmente em
combinação), o D&D ajuda muito aqueles que podem não estar inclinados a
pensar desta forma por conta própria. Jogadores que desejam “minimaximizar”
sempre o fizeram e sempre o farão, mas ter ferramentas como essas integradas ao
sistema de jogo ajuda a impedir que esses jogadores tirem vantagem indevida do
sistema ou de jogadores e DMs menos experientes (ou menos coniventes, se
preferir). O acima mencionado refere-se apenas às sugestões, dicas e ideias
"oficiais" oferecidas pela Wizards of the Coast; jogadores e mestres
podem recorrer a inúmeros outros recursos para obter conselhos e ideias sobre
como usar ou interpretar as regras. Fóruns e grupos no Facebook, Whatsapp ou
outras Redes Sociais fornecem locais para fazer perguntas e debater (ou às
vezes discutir) ideias de outros jogadores de todo o mundo, incluindo endereços
para páginas especializadas em D&D. Para aqueles que não seguem esses
grupos regularmente, há muito material e discussão a “um google de distância”.
A regra mais importante quando se
trata de conhecer as regras é o velho ditado: o que é bom para a gansa é bom
para o ganso (NOTA
DO TRADUTOR: ok, esse ditado não é daqui mas é possível entender o que ele
quer dizer). Quando um jogador cria algo
criativo, fique à vontade para utilizar também. Se os jogadores conseguem, os vilões também podem. Conhecer as
regras e conhecer as capacidades dos personagens (e dos jogadores) pode
ajudá-lo a antecipar seus movimentos e escolhas e combatê-las, embora você deva
ter cuidado para não exagerar no seu conhecimento de Mestre com o que os vilões
podem saber. Da mesma forma, se você tiver uma interpretação desonesta das
regras a serem usadas contra os jogadores, tenha certeza de que eles tentarão
usá-la contra você. Dependendo da sua campanha, você pode disponibilizar
algumas magias, itens, subclasses e similares a determinados grupos (como limitar
uma subclasse como o clérigo do domínio da morte apenas a vilões). Como
resultado, são opções abertas para você, mas não abertas para os jogadores. Não
há nada errado com isso em princípio, mas você deve ter muito cuidado para
avaliar se as opções disponíveis para cada lado garantem condições igualitárias.
Para o Mestre, "jogar limpo" não é uma questão de facilitar as coisas
para os jogadores, mas garantir que todos na mesa de jogo tenham uma
oportunidade justa de obter sucesso. Quando você conhece as regras e as conhece
bem, pode garantir que todos recebam desafios justos, recompensas razoáveis e
oportunidades iguais. Essa é a essência de um bom jogo.
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Tony DiTerlizzi |
PALAVRAS DE SABEDORIA
1. Conheça as regras: Preste
atenção especial a regras com mecânica mais densa, como regras de combate,
porque essas são as áreas com maior probabilidade de desacelerar o jogo.
2. Crie (ou compre) algumas
ferramentas de referência rápida para acessar rapidamente as tabelas
necessárias ou outras informações.
3. Ao fazer interpretações de
regras e julgamentos, baseie sua lógica (tanto quanto possível) nas regras:
poder explicar o raciocínio por trás do seu julgamento ajuda a minimizar
argumentos ou reclamações.
4. Esteja ciente das capacidades
dos personagens (e da habilidade dos jogadores em usá-los), bem como dos
desafios que você selecionar para eles: procure as nuances de como os dois
interagem ao longo das linhas estabelecidas nas regras e certifique-se de
explicar as variações de como você faz isso versus o "padrão"
estabelecido nas regras.
5. As regras são uma via de mão
dupla: qualquer coisa que você possa fazer dentro das regras, os personagens
também podem e vice-versa.
DICAS ESPECIAIS
1. Certifique-se de que todos
saibam quais regras estão sendo usadas (incluindo regras que foram modificadas
posteriormente por "erratas oficiais"): tenha uma justificativa para
todas as alterações feitas no conjunto de regras básicas (Player’s Handbook, Dungeon
Master’s Guide).
2. Não permita uma nova
regra apenas porque ela está impressa em algum lugar, seja de uma fonte
"oficial" de D&D ou de outro lugar: você deve examinar a regra e
decidir como ela afetará sua campanha.
3. Se uma regra parecer ultrajante,
entenda a regra e seus efeitos o mais completamente possível antes de julgá-la.
4. Proíba regras que considere
desequilibrar o jogo ou torná-lo menos divertido.
5. Não crie desafios que
simplesmente anulem as habilidades que você sabe que o grupo possui: ao invés
disso, concentre-se em usar as regras para desafiá-los e forçá-los a usar e
aplicar as habilidades, poderes e conhecimentos para que eles tenham sucesso.
FINALIZANDO
A TRADUÇÃO
Apesar de parecer óbvio, ter uma boa noção das regras do jogo e do que vale ou não na mesa e ter certeza de que todos sabem e estão de acordo é parte essencial para manter um ambiente agradável e adequado. Esse texto é ótimo para apontar isso. E isso vale para todas as fontes, sejam elas do próximo livro lançado, de um U.A. ou de nossa página!
FINALIZANDO O TEXTO
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