CONCEITOS BÁSICOS: OS ALINHAMENTOS EM D&D


OS ALINHAMENTOS EM D&D – O QUE ELES DE FATO REPRESENTAM?








É comum falar em vacas sagradas do D&D, e uma das mais amadas e odiadas é a dinâmica de alinhamentos. Atravessando décadas, os alinhamentos (que em determinado momento se tornaram os 9 alinhamentos atuais, com poucas mudanças através das edições) são algo que, segundo o Livro de Jogador da Galápagos em seu Capítulo 4, toda criatura nos mundos de D&D possuem (ao menos as criaturas racionais). Esses 9 alinhamentos, como num jogo da velha, representam na verdade uma combinação de dois eixos X e Y, um em relação à moral e outro à ordem. Na atual edição, os tradutores decidiram por usar o termo ORDEIRO para traduzir a palavra Lawful. Se em inglês os termos se mantiveram razoavelmente estáveis através das décadas, o mesmo não ocorreu em português, desde a primeira tradução da Abril Jovem. Aqui em Meus Pergaminhos traduzimos uma série de vezes Lawful como Leal, por uma questão de costume. Se você ler algo mais antigo, estará assim. E, tendo uma boa estrada no D&D (e sendo um velho já ficando meio esquecido), pode ser que eu use sem querer o termo Leal mais vezes. Mas tentarei me policiar, eu prometo.





Voltando a vaca fria (ou sagrada), a combinação dos eixos ético (bom, mau, neutro) e social (caótico, neutro, ordeiro) gera um dos 9 alinhamentos: Ordeiro e Bom, Neutro e Bom, Caótico e Bom, Ordeiro e Neutro, Neutro (Neutro e Neutro, também conhecido como Verdadeiramente Neutro), Caótico e Neutro, Ordeiro e Mau, Neutro e Mau e, por fim, Caótico e Mau.


Uma frase muito importante que consta no Livro do Jogador é a que segue: Os indivíduos podem divergir significativamente desse comportamento típico, e poucas pessoas são perfeita e consistentemente fiéis aos preceitos do seu alinhamento. Isso é muito importante e será bastante discutido através do texto.


Cada alinhamento (em sua combinação dos dois eixos) acaba tendo algo como uma tendência. Esse tendência está longe de ser uma camisa de força e, vale ressaltar, é apenas algo geral, que dificilmente define alguém. Nós vamos trazer aqui, mais uma vez, as definições que constam no Livro do Jogador, mas não palavra por palavra (afinal, se fosse pra ler como está lá, valeria a pena ler no original), com alguns acréscimos vindos de outras edições.





ALINHAMENTOS



Ordeiro e Bom

Criaturas Ordeiras e Boas buscam fazer a coisa certa, como a sociedade, a tradição e os ensinamentos dizem que deve ser feito. Normalmente essas criaturas possuem um senso de disciplina, honra e uma grande preocupação com a comunidade, acreditando que a bondade pode ser legislada e codificada, fazendo com que essas leias possam servir para promover o bem.


Neutro e Bom

Criaturas Neutras e Boas buscam ativamente e de forma esforçada ajudar os outros. Elas até se importam com o que a sociedade e a tradição acham que é o certo, mas não é isso que as norteia. Elas sabem o que é certo, o que é bom, e não se importam se isso será ou não ditado por leis e costumes, desde que o que é bom floresça. Estas criaturas acreditam que as leis e tradições não são boas por si só, mas ao mesmo tempo não as descartam completamente.


Caótico e Bom

Criaturas Caóticas e Boas buscam fazer a coisa certa da sua própria forma, sem se importar com o que os outros vão pensar. Estas criaturas costumam pensar por si próprias e não toleram a opressão, nem quando em nome de um “bem maior”. Elas não confiam na capacidade da tradição, das leis, costumes e códigos em fazer com que as pessoas façam a coisa certa, acreditando que mesmo quando as leis são boas, aqueles que a seguem não o fazem pelo bem e sim para não descumprir as normas, e que o excesso de leis e tradições acaba por servir de escudo para ações ruins, já que a “lei diz que deveria se fazer isso” ou “sempre se fez desta forma”. Estas criaturas combatem o mal não porque ele é ilegal, mas porque é mal.


Ordeiro e Neutro

Criaturas Ordeiras e Neutras tendem a seguir tradição, leis e códigos morais à risca, sem focar em qual a intenção que gerou aquela norma. Para estas criaturas, vale o que está escrito.


Neutro

Criaturas Neutras tendem a não tomar partido em questões morais ou sociais, buscando fazer o que parece ser o melhor a ser feito. Isso não significa fazer algo imoral ou ilegal, ainda mais se houver risco de punição. Da mesma forma, essas criaturas tendem a fazer o que é certo, desde que não haja nenhum grande custo ou sacrifício.


Caótico e Neutro

Criaturas Caóticas e Neutras tendem a seguir seus caprichos e instintos dando valor a sua liberdade, mas, de uma forma geral, respeitando a liberdade dos demais.  Elas não se importam com tradições, regras ou costumes que não sejam os seus próprios. A lei e as normas servem para domesticar o indivíduo aos olhos destas criaturas, mas, ao mesmo tempo, elas não têm a intenção de prejudicar os outros, e são mais preocupadas em viver suas próprias vidas de sua própria forma em paz.


Ordeiro e Mau

Criaturas Ordeiras e Más tendem a buscar tudo o que desejam, desde que dentro dos limites das leis e tradições, e é bem possível que as distorçam e interpretem de uma forma um tanto pessoal para conseguirem o que desejam.


Neutro e Mau

Criaturas Neutras e Más tendem a ser egoístas e a buscar tudo que desejam, desde que não possam ser culpadas e punidas.  Não é errado se a criatura não puder ser pega.


Caótico e Mau

Criaturas Caóticas e Más não seguem tradições ou leis pois elas apenas servem como obstáculo para conseguirem tudo que desejam. Seus códigos de conduta seguem apenas as suas próprias regras e estas criaturas não se importam com o que os outros pensem disso.


Aqui vale a pena falar um pouco dos dois eixos.




OS DOIS EIXOS


O eixo moral trata da bondade e maldade, mas o que é o bem e o mal? Há diversas linhas de pensamento sobre isso e o intuito não é entrar num debate filosófico sobre o bem e o mal, mas pensar no que isso significa em D&D. Via de regra, D&D tem um compasso moral bem definido e basta ler livros como o Book of Exalted Deeds para entender um pouco esse compasso. Bondade em D&D tem relação com caridade, auxílio aos outros, cuidado e cura (não só física), sacrifício pessoal, respeito, misericórdia, perdão, esperança e redenção. Ao contrário do que algumas pessoas pensam, a moralidade em D&D é muito mais similar aos conceitos do mundo atual e as sensibilidades contemporâneas do que ao mundo medieval da Europa Ocidental no qual o pano de fundo de D&D é levemente inspirado (palavras, numa tradução livre, tiradas do Book of Exalted Deeds, mas que já foram ditas diversas vezes nestes anos todos de D&D). Mesmo que seu cenário seja muito mais próximo do mundo medieval “real”, e que haja escravidão, tortura e discriminação de forma ampla e irrestrita, sem que haja julgamento pela sociedade, ainda assim escravidão, tortura e discriminação seguirão sendo atitudes e atos ruins, ligados aos alinhamentos malignos. Uma coisa curiosa sobre a neutralidade neste eixo é que, de uma forma geral, ela tende a seguir o que é costumeiro na sociedade na qual está inserida, desde que não haja custos altos. O mais comum é criaturas neutras tenderem para a bondade, mas apenas se fazer o bem não lhe custar nada, ou custar muito pouco. Assim, se não há nenhum sacrifício, criaturas neutras tendem a fazer caridade, a serem respeitosas, a perdoarem e a falarem em redenção. Claro, se inseridas em uma sociedade profundamente maligna (ou que tende a isso), elas também tenderão a ser preconceituosas, a apoiar a tortura e  pena de morte, mesmo que não tenham nenhum desejo ou estômago para se envolverem demais com nada disso.


O eixo da ordem e caos tem bem menos discussão ou polêmica. Ordem tem ligação com tradição, com seguir os métodos de sempre, com leis bem descritas, com julgamento impessoal, com respeito aos velhos costumes... e o caos não se importa com nada disso, sendo mais individual, mais livre de interpretação, mais vanguardista, mais dinâmico. Isso não significa que não existam sociedades mais ligadas ao caos. Enquanto a sociedade anã, por exemplo, é extremamente ligada a tradição da mineração, da forja, dos clãs, das relações familiares e do que está escrito na pedra, a sociedade élfica valoriza as artes, a independência, a experimentação e o que é dito e cantado em verso e prosa.






A GRANDE VERDADE


Isso tudo foi bem interessante, não foi? Agora vamos a grande verdade: isso tudo é uma TENDÊNCIA. Um personagem caótico e bom não é obrigado a seguir sempre nada do que foi descrito acima. Nem mesmo a maior parte do tempo. Além disso, os alinhamentos são apenas uma pequena parte do que compõe os pensamentos e ideais de um personagem, que é composto também por sua crença, pelos valores familiares, pelos dilemas e questões de seu tempo e lugar, e pelos traços contidos na parte de antecedentes do Livro do Jogador.


A melhor forma de tratar um alinhamento é como uma consciência moral e comportamental. Digamos que um personagem caótico e bom assassinou um guarda para libertar um amigo preso. Naquele momento ele acreditou que era a forma correta, ou apenas cometeu o ato por impulso. Durante a noite, ao se deitar no escuro, o personagem revê seus atos e começa a pensar se havia outra forma, se o guarda possui uma família, se ele tem o direito de tirar uma vida. E, a partir daí, seu alinhamento atua realmente, seja determinando suas ações futuras, seja carregando culpa pelos atos passados. Vale lembrar que um personagem maligno também pode se arrepender. Se arrepender de não ter aproveitado uma oportunidade de se dar bem, de obter um ganho pessoal ou de ter feito algo com um custo pessoal alto para ganhos não tão altos assim.






Ainda sobre o tema, também é importante dizer que alinhamentos não são imutáveis. Experiências, leituras e discussões morais e éticas podem nos fazer repensar, e assim se dá com os personagens de D&D. Embora mudanças radicais sejam mais raras, a redenção é possível, assim como a corrupção, e isso fica claro na história de diversos personagens e criaturas desde o AD&D até a 5ª edição. Talvez aquele ladino caótico e neutro seja influenciado pelas ações do guerreiro ordeiro e bom. Ou o clérigo neutro e bom seja eloquente e tenha um comportamento exemplar, servindo de inspiração ao restante do grupo. Não se prenda demais nisso. Se você, enquanto jogador, sente que seu personagem está agindo aos poucos de uma forma diferente do que você havia pensado e você acha que não há peso na consciência, está tudo bem mudar de alinhamento. Da mesma forma, se você como mestre sente que algum personagem tem aos poucos seguido rumos diferentes do seu alinhamento original, está tudo bem conversar com o jogador ou jogadora que o interpreta e ver como ele ou ela vê seu personagem, discutir essa questão e pensarem juntos se houve ou não alguma mudança de alinhamento. Sem penalidade, sem brigas. Este é um jogo coletivo e é bom que as pessoas tenham maturidade o suficiente para entender isso.


Pois bem. Então mostramos os alinhamentos, os eixos e dissemos que é uma tendência, que é apenas um entre vários componentes da personalidade de uma criatura e não uma camisa de força que fará com que ela atue de uma forma ou de outra. Falta dizer algo? Talvez falte.





Você não precisa usar alinhamentos, na verdade. Assim como não é obrigado a usar antecedentes (e pode simplesmente conceder duas perícias, ferramentas ou idiomas, por exemplo, para cada personagem).  Os mundos de D&D trazem essa ferramenta para ajudar a nortear alguns comportamentos, mas se isso estiver atrapalhando ou causando discussões desnecessárias em sua mesa, tudo bem, apenas jogue fora. Entre as vacas sagradas de D&D, esta talvez seja a menos útil (ainda que eu, pessoalmente, goste de usar). Algumas pessoas dirão que, sem essa bússola moral, os personagens tenderão a fazer tudo que lhes der na telha, buscando sempre o que for melhor para si.  É possível. Assim como algumas mesas não querem saber de nada disso e querem mesmo é entrar em masmorras e chutar a bunda de alguns orcs. E está tudo bem. O intuito aqui é justamente libertar jogadores e mestres de uma suposta prisão dos alinhamentos, mostrando que isso é exatamente o que eles não são, e não ditar como cada um deve jogar seu jogo.


Por fim, há algo a ser dito. Mesmo que você pense em alinhamentos como tons de cinza, ao menos em D&D como pensado, há criaturas que não foram pensadas assim. Ínferos e celestiais, assim como algumas outras criaturas extrapalanares, possuem os alinhamentos em sua essência. Eles foram criados em meio a planos que representam um determinado alinhamento, seja de um eixo, do outro ou de ambos. Diabos são essencialmente ordeiros e malignos. Demônios são caóticos e malignos. Arcontes são ordeiros e bons. E assim por diante.





Esperamos que tenham gostado dessa análise sobre os alinhamentos em D&D e que isso melhore sua experiência de jogo e traga boas conversas com seu grupo!

Bons jogos!