Ludovico
cantou de forma esplendorosa e influenciou toda a multidão. Eles começaram a
compreender que os aventureiros não faziam parte do grupo de saqueadores que
esteve na vila na noite passada. Na verdade, nenhum saqueador seria capaz de
cantar de forma tão melodiosa e tocante. A população foi aos poucos se
acalmando e as primeiras palmas já se ouviam entre os plebeus. Lucius
aproveitou que a atenção da multidão estava focada em Ludovico e decidiu que
seria a melhor hora de invadir o casarão do Burgomestre. Esse era o plano desde
o começo. Só assim ele poderia conseguir provas de que os saqueadores estavam,
na verdade, a mando das autoridades locais...
CRIANDO NPCS NA 5E DE D&D
Há uma certa incompreensão por alguns Mestres
e Jogadores a respeito da construção de NPCs. Na verdade, ocorre frequentemente
a presunção e interpretação de que NPCs, que em português são os famosos PNJ
(Personagens Não Jogadores, termo que usaremos daqui pra frente), devem seguir
a mesma estrutura dos personagens dos jogadores, os PJ (Personagens dos Jogadores), porque o qualquer
personagem, PNJ ou PJ, nascido no mundo teria potencialmente as mesmas
motivações e experiências que possibilitariam atingir as mesmas capacidades e
afins, correto? Sim e Não, mas principalmente Não. E vamos desenvolver isso
aqui. Mas não da forma usual. Esse texto terá um formato de FAQ, porque assim
você encontrará sua resposta mais rapidamente. Então, começando do básico,
vamos ao nosso FAQ.
POR QUE NÃO SE "DEVE" USAR FICHA DE PJ PARA PNJ?
O
motivo é puramente matemático:
Monstros,
PNJs e Criaturas em geral são criados para serem desafios para os PJs. Possuem
uma quantidade média de pontos de vida maior, porém menores valores de CA e
Salvaguardas. Assim o jogador não se frustra tanto por "não acertar",
ao mesmo tempo que a criatura "aguenta mais" os golpes.
Da
mesma forma, o monstro/criatura/PNJ tende a acertar menos e causar menos dano,
pois o personagem do jogador tende a ter menos pontos de vida.
Não
é incomum ter criaturas com menos de +5 para acertar em níveis de desafio mais
baixo, por exemplo, e isso é proposital. Desta forma, mesmo os personagens com
pouca CA não serão alvos fáceis.
Enfim...
Matemática.
Quando
você cria uma ficha de PJ e dá nas mãos de uma criatura, ela tem poucos pontos
de vida. Então ela cairá em poucos golpes, o que acaba sendo frustrante pra
todos na mesa, em especial se gostam de combates mais "épicos".
Porém, se os jogadores estiverem com um pouco de azar, como ela terá acertos
altos e causará mais dano que uma criatura do mesmo nível de desafio que este PNJ
criado com as regras de PJ, a tendência é que ela acabe por matar alguns
personagens dos jogadores, caso o encontro fosse construído para ser difícil ou
mortal. E construir encontros seguindo o Dia de Aventura, que é o método
padrão, fará com que você tenha encontros pelo menos difíceis durante o dia,
pois senão serão incontáveis encontros pequenos para preencher a quantidade de
desafio (contados em termos de XP, o que não significa que você precise usar um
sistema de XP para recompensar os jogadores no final da sessão, do arco de
campanha ou o que for) que seria interessante naquele dia. Você pode ler mais
sobre montar encontros e seguir o Dia de Aventura AQUI.
Personagens
dos jogadores são "canhões de vidro". Eles causam muito dano mas
resistem pouco. Eles se mantêm graças à união e estratégia do grupo. E ao fato
de que as criaturas do mestre tendem a causar menos dano e a acertar menos.
Além
disso tudo, tem questões como uma criatura é criada para durar três rodadas
e um personagem toda uma campanha. Assim, habilidades que serão usadas
muito pouco fazem sentido para jogadores pois, em uma longa campanha, eles
terão uso para elas. Mas para um PNJ que vai ter seus “5 minutos de cena” isso
não faz sentido. Então você acabaria tendo um monte de habilidades
"inúteis" nas mãos de uma criatura, que só gera poluição visual e
tática ao invés de torná-la um desafio (Combate ou Social pouco importa), que é
a função dela. Se você foi um Mestre em outras edições do jogo, em especial na
3ª edição, deve ter encarado a situação de ter um PNJ com tantas habilidades
que em algum momento você poderia ter usado algo diferente em determinada
rodada e não usou porque “não se lembrou” daquela habilidade. Também pudera.
“Duas páginas de habilidades”, considerando não só as habilidades de raça e
classe como itens mágicos carregados, fazem qualquer um se esquecer daquela
linha que permitia ao PNJ rerrolar um dado, por exemplo.
Para
o cálculo matemático da ND o que importa é a capacidade defensiva e ofensiva do
PNJ. No caso de um PJ, você pode fazer um personagem completamente focado em
dano e contar que outro personagem do grupo cuide de te curar, outro controle a
área, outro tenha habilidades sociais, outro seja bom em exploração e etc...
No
PNJ, não! O PNJ é criado para dar conta "sozinho" (ou com os seus
asseclas e capangas) de desafiar em alguma medida os PJs", afinal, essa é
sua função narrativa. Aí entra a dificuldade do encontro. Um encontro fácil
nem deve desafiar os PJs, mas talvez faça com que o grupo gaste algum
recurso ou perca alguns pontos de vida (o que fará gastar recursos para se
curar). Um encontro médio terá maior possibilidade de fazer com
que esses recursos sejam gastos, ainda que não desafie de verdade o
grupo e que os recursos gastos sejam “menores”. Um encontro difícil fará
o grupo gastar recursos mais importantes e que talvez não tenham em
grande quantidade. Por exemplo, é possível que o bárbaro gaste sua Fúria
no encontro difícil, o que não faria nos casos anteriores. Isso, claro, se os
jogadores forem um pouco experientes e souberem julgar a dificuldade de um
encontro. Um encontro que pareça mais difícil do que é já pode ser considerado
um bom desafio somente pelo fato e obrigar os jogadores a gastar recursos que
não seriam necessários naquele momento da aventura. Um encontro mortal
exige um gasto grande de recursos. É quase certo que o guerreiro gastará seu Surto
de Ação, o bárbaro sua Fúria, o mago suas magias de níveis mais
altos e assim por diante.
Claro,
há outras variáveis como terreno, sorte, etc... Algumas magias e habilidades,
além de boa tática, podem fazer do encontro mortal apenas difícil ou médio. E
deve ser óbvio que um grupo com mais itens mágicos que "a média" e
que rolou seus atributos, tendo talvez começado com atributos acima de 16 (e,
com isso, chegado mais rápido ao nível máximo e podendo focar em outro atributo
ou em talentos) é possivelmente mais forte que o grupo com os números do arranjo
padrão (15, 14, 13, 12, 10 e 8) ou que comprou atributos com pontos. Da mesma
forma, um grupo que fez personagens menos focados em maximizar as fichas (um
bardo meio orc, um ladino anão, um guerreiro pequenino e um bárbaro gnomo, por
exemplo) podem ter um pouco mais de dificuldade. Esse é o trabalho do Mestre:
saber pegar as regras ou condições gerais e adaptá-las pro seu caso específico.
Neste caso, na montagem dos encontros.
Reforçando,
um PNJ não tem nível e sim ND. O PNJ não será do 5º nível. Será ND 5, se
for o caso, a ser calculado segundo as regras presentes na página 273 do Livro
do Mestre. Assim, tendo em vista sua função de ser um desafio, o Mestre
deve evitar criar encontros que tendem a ser muito desequilibrados (não de uma
forma "divertida"). E, para isso, o Mestre não deve usar a ficha de
um personagem montado com as regras do Livro do Jogador para enfrentar
um grupo de aventureiros (ou um personagem do grupo).
O
jogo não foi feito para ser usado PvP.
E ao criar uma ficha como a do Livro do Jogador, matematicamente você está simulando
um PvP.
Continuando
e até mesmo repetindo a exaustão: PNJs são criados para durarem pouco. Não
devem ter "habilidades inúteis". Suas habilidades representarão o
desafio para o qual foram criados. Vamos a um exemplo: um bruxo seria um péssimo
adversário. Seguindo uma ficha de um bruxo na imagem abaixo, este bruxo é
de nível 5, mas é um adversário de ND 2. Ofensivamente ele tem ND 4, enquanto
defensivamente tem ND 1/4! Veja a diferença e perceba o quão desequilibrado ele
é. Ele não aguenta NADA. É possível que ele
seja capaz de desafiar um grupo de segundo nível e, possivelmente, matar alguém
se ganhar a iniciativa (Ele é de ND 2 e supostamente deveria ser um combate
interessante, mas não será, pois foi criado usando somente as regras do Livro
do Jogador). Por outro lado, se ele perder a iniciativa, sua CA baixa e seus
poucos pontos de vida o farão um alvo ridiculamente fácil.
Então
ele não funciona bem como desafio! Teria sido melhor fazer uma ficha com mais
pontos de vida, mais AC, etc... E apenas escolher meia dúzia de habilidades de
bruxo que você acredita que seriam legais pra esse PNJ. Então, usando como base
os Pontos de vida, AC, e tudo o mais, calcular seu ND. E o melhor: se achar que
ficaria “legal" uma habilidade de outra classe ou de uma criatura, TUDO
BEM! Você não está preso às regras de criação de PJs! Assim, seus PNJs terão
exatamente as habilidades que você acha adequadas, e ainda poderão ser um bom
desafio, desde que você saiba o que está fazendo minimamente, criando
personagens únicos que funcionarão como um desafio muito mais interessante e
inesperado.
UM PERSONAGEM DE NÍVEL 5 TEM ND 5?
NÃO!
NÃO! NÃO!
O
ND (Nível de Desafio, se você chegou até aqui sem saber...) do PNJ é calculado
conforme as regras presentes na página 273 no Livro do Mestre. É
razoavelmente simples e existem sites que fazem esse cálculo rápido para você,
ainda que nem sempre acertem esse cálculo perfeitamente (em especial se você
não entender quais dados deve colocar e como colocar no site).
Mas
ao invés de responder exaustivamente aqui, inclusive por ter dado algumas
pistas de como funciona esse cálculo na resposta anterior, eu farei melhor.
Deixarei o link para que você leia nosso guia de Criação de PNJ e Criaturas!
Ele responde TUDO que você precisa saber sobre essa criação e dá exemplos que
farão com que sua próxima criação seja super simples e rápida! Você pode ler
esse guia clicando AQUI.
POR QUE É RUIM QUE SEJA UMA CRIATURA COM DANO ALTO E POUCA DEFESA?
O
motivo é o seguinte:
Você
deseja que os encontros sejam desafiadores e não uns encontros que podem ser
mortais ou um passeio no parque conforme a sorte. Então você busca criaturas
mais equilibradas.
Você
deseja criaturas simples de serem construídas e ainda mais simples de serem usadas. A 5E não quer que
o mestre fique pensando entre as diversas habilidades a serem escolhidas para
cada rodada. Quanto mais simples, mais eficiente.
Você
deseja que a parte matemática funcione.
Então você não se preocupa em criar algo que funcione da mesma forma para
jogadores e PNJs. Se você quer criar um "curandeiro" da vila que seja
capaz de conjurar apenas 5 magias, ok. Não precisa montar um Clérigo com X
níveis, habilidades e etc. Então você faz lá seu curandeiro com 3 magias de
cura por descanso curto, mais 2 por descanso longo, usáveis uma vez cada. Ele
cumpre muito bem o seu papel! Se você quer que seu necromante comande um
exército de mortos vivos, não tem que se preocupar com relação a quantidade de
mortos vivos que um mago necromante do Livro do Jogador pode controlar. Apenas
diga que pode controlar uma quantidade X de mortos vivos e veja o que isso
interfere em sua capacidade de combate (possivelmente nada!, já que cada
morto vivo vai dar XP de forma separada na aventura, se não no sentido de algo
a ser ganho pelos personagens ao serem derrotados, ao menos no sentido da
quantidade de desafio que o grupo suporta enfrentar entre dois descansos longos
em seu Dia de Aventura). Isso dá uma enorme liberdade para o mestre e
ele pode simplesmente ir adicionando ou tirando habilidades de sua nova criação
até “fechar as contas”.
Exemplo:
o PNJ Furioso (Berserker) do Livro dos Monstros é
claramente inspirado na classe Bárbaro do Livro do Jogador.
Porém, ele não tem fúria. Apenas a característica imprudente. Ele
é um bom desafio poque sabemos seu dano médio, CA e demais habilidades. Ele tem
uma CA "baixa", muitos pontos de vida e causa "pouco dano"
por rodada. Deve aguentar bem e resistir, sem com isso matar os PJs na primeira
rodada. Ele tem 9d8 de vida, mas ND 2. Porque dados de vida de criaturas não
tem "nada a ver" com seu "nível" em termos de "nível
de classe", já que ele não tem nível de classe! Apenas as habilidades que
o criador achou legais.
Se
o Mestre quiser, pode adicionar fúria (e isso vai aumentar o dano médio e dar
resistências a ele). Então o mestre terá que recalcular o nível do desafio
conforme a as regras já citadas do Livro do Mestre e descritas minuciosamente
em nosso guia.
Não
tem muito mistério. É simples, é fácil e é libertador! Os jogadores
nunca saberão o que esperar de seus PNJs pois quais habilidades e poderes terá
esse bruxo infernalista cheio de cultistas? Só você sabe! E essa é a regra padrão
de criar PNJs e isso é LINDO!
Para
que ser obrigado a colocar suas ideias numa caixinha e ter que se adequar a
isso? Para que usar uma camisa de forças se você pode mais?
Conheça
as regras de criação de PNJs e Criaturas! É das melhores partes do jogo! E se
quiser um guia para ajudá-lo nessa trilha libertadora, recomendo nosso guia que
você pode ler AQUI (sim, já havíamos
colocado antes, mas não custa deixa-lo a vista novamente!).
MAS E A PERGUNTA NO COMEÇO DO TEXTO? UM PNJ NÃO PODE APRENDER AS MESMAS COISAS QUE UM PJ?
Ok.
Pode. Mas como foi explicado anteriormente, você pode dar essas habilidades a
eles e calcular como isso interfere em seu nível de desafio. O mais importante
é entender em como isso influencia no PNJ como desafio, no final das contas,
porque é isso que ele será em termos de jogo.
O
motivo de se escolher essa forma é que foi essa a decisão em termos de
design do D&D. Alguns jogos são mais simulacionistas e outros são mais
... jogos. D&D abandonou a via simulacionista lá na terceira edição
do jogo. Ela era limitadora e fazia com que o cálculo de ND nunca refletisse
minimamente a capacidade de uma criatura servir como desafio. Talvez esse
cálculo não seja PERFEITO hoje, até porque são cálculos gerais para todos os
grupos, mas grupos que usam a regra opcional de talentos têm personagens
jogadores com recursos que grupos que não a utilizam não tem. Grupos que
distribuem itens mágicos aos personagens jogadores também possuem mais
recursos. E assim por diante. Cada mesa sabe onde o calo aperta. E, exatamente
por isso, essa regra é funcional, mas ainda caberá saber utilizá-la refletindo
a realidade do seu grupo. E ela funcionará bem melhor que as regras da terceira
edição de D&D funcionava.
Então,
como o jogo não simula um mundo onde todos têm as mesmas oportunidades, ou
essas oportunidades não são refletidas em termos matemáticos, o fato do
personagem guerreiro ter treinado com um mestre samurai não faz com que o
mestre ou os demais discípulos precisem ter as mesmas habilidades do
personagem. O que pode ser inclusive interessante na construção de mundo.
MAS SE ESSA ERA A INTENÇÃO DOS DESIGNERS, POR QUE EXISTEM AS DUAS CLASSES DE PNJS NO LIVRO DO MESTRE E AO FINAL DA SESSÃO DE CRIAÇÃO DE CRIATURAS E PNJS O LIVRO INDICA AJUSTES PARA USAR AS REGRAS DO LIVRO DO JOGADOR NA CRIAÇÃO DE PNJS?
Essa
é a questão de um milhão de dólares. Eu tenho dois palpites que não se excluem
totalmente.
Um
deles é que D&D sempre foi um jogo pensado para heróis. As opções de
classe com foco em PNJs são de classes com viés maligno. Então, uma forma de
amenizar essas escolhas e também de não enfurecer determinados setores
conservadores americanos (D&D e o RPG em geral já tiveram muitos
problemas nos EUA por isso) foi colocar essas opções no Livro do Mestre.
Outro
palpite é que, no fundo, os Mestres são livres para fazer suas escolhas,
inclusive as que não são boas para o sistema (como a Regra Opcional de
Flanquear, que demonstramos AQUI que não
é uma boa regra). Desta forma, se o Mestre quiser insistir em fazer personagens
não jogadores com regras do Livro do Jogador, que seja. E ali tem um
breve resumo de como fazer. Isso não exclui todo o sistema de cálculo de ND
anterior e só acaba sendo lento e inútil. Mas, se quiser, pode. Todo mundo
tem o direito de escolher o caminho mais longo e tortuoso para chegar no mesmo
lugar. O que seria do doce de abóbora se todos gostassem de chocolate, não é
mesmo? Mas é bom salientar que os próprios designes do jogo não aconselham esse
caminho, como já ficou claro em diversos momentos.
FINALIZANDO O TEXTO
Ficou
clara a intenção de se criar PNJ e por que não seguir as regras do Livro do
Jogador e sim as presentes no Livro do Mestre? Gostou desse esclarecimento? Comente, compartilhe! Faça com que
saibamos que você gostou deste texto!
Bons
jogos!
Todas as imagens desse post, a exceção da ficha do Bruxo, foram criadas por Jason Nguyen.